Péricles Cavalcanti
BLUES 55
BLUES Faixa a faixa …
1. Será o amor? — Compus esta espécie de tradução-paródia-adaptação da canção At long last love, de Cole Porter, para agradar à Lídia, minha mulher, que ficara insatisfeita com outra canção que fiz sob encomenda para Adriana Calcanhotto, e de que falarei mais adiante. Será o amor? evidentemente tem outra melodia, outras imagens e estrutura um pouco diferente, mesmo fazendo referência explícita à analogia que a letra de Cole realiza entre os valores reais ou ilusórios, e o amor. Embora composta em 2000, fico contente que ela esteja sendo lançada a tempo para as comemorações do centenário de Ari Barroso, e tenha sido incluída no documentário sobre o cineasta Rogério Sganzerla que Joel Pizzini e Paloma Rocha realizaram.
2. Tudo sendo lindo — Canção composta pelo meu filho Léo que, como eu, ama baladas de cantores-compositores como Stevie Wonder e Djavan. Gosto da presença, nela, de um certo “quê” musical negro urbano e, na letra, especialmente do verso que diz: “mas as suas marcas nunca irão me abandonar, pois elas já são mito”.
3. Medo de amar nº 3 — Um dia Adriana Calcanhotto me telefonou indignada com o fato de os Rolling Stones não haverem autorizado a gravação que ela tencionava fazer de uma canção deles, para a qual eu fiz uma versão para o português. Também me pediu outra canção, de desagravo, assim, eu e ela desabafaríamos em uma resposta poético-musical. Concordei pronta e absolutamente, e compus Medo de amar nº 3, que tem esse numeral agregado ao nome por já existirem, antes, que eu saiba, duas outras canções homônimas, uma de Vinicius de Moraes e outra de Beto Guedes.
4. A Luna e a Lena> — Esta é uma das canções que fiz, convocado por Regina Casé, para o primeiro espetáculo musical do grupo Asdrubal trouxe o trombone, “A farra da terra”, em 1982-83, cuja trilha virou um disco com o mesmo nome. O momento, no espetáculo, em que Regina a interpretava, acompanhada por um coro masculino, era um dos mais aplaudidos pela platéia, embora algumas amigas minhas achem-na demasiado “machista”. Em A Luna e a Lena procurei imitar os arranjos que embalavam o maravilhoso canto de Orlando Silva, no final dos anos 30.
5. Maria chuteira — A princípio pensei estar compondo uma canção sobre futebol, em que a personagem principal fosse a bola, como um narrador cujo interesse fosse descrever os movimentos dela, fazendo dos jogadores e do campo meros coadjuvantes. Depois, percebi que ela podia ser uma boa metáfora, tanto para o movimento de jovens casamenteiras em torno de jogadores de futebol, como também, da própria procura do amor e do casamento.
6. Bossa Nova — Fiz esta canção em 2001, pensando nos significados que as letras da bossa nova passaram a ter no mundo, especialmente no universo da língua inglesa, e também nas transformações do “gênero” com a incorporação de elementos de música eletrônica, em gravações de artistas tais como Bebel Gilberto, Fernanda Porto e Bossa Cuca Nova.
Um abraço no Thelonious — Penso que Thelonious Monk é o maior compositor que o Jazz já produziu, e ele o é, mesmo quando interpreta “standards” ou composições instrumentais alheias. Esta composição-homenagem é a mais antiga no repertório deste disco. Foi feita por volta de 1974 pensando em Um abraço no Bonfá, de João Gilberto. Trata-se de um choro no qual tento me aproximar do inconfundível estilo “anguloso” do grande Monk.
8. O cantor de jazz — Esta canção é do repertório de um grupo de rock baiano, Dr. Cascadura, e foi o próprio Fábio Magalhães, vocalista e um dos compositores da banda, que me deu o CD em que ela foi gravada. Fiquei imediatamente encantado com esta homenagem aos grandes artistas da voz. Acho que tem tudo a ver comigo e com o repertório deste disco.
9. Heavy Metal — Outra das composições feitas para o musical “A farra da terra” e, junto com Bossa Nova, a outra faixa em que há algum tipo de percussão específica (ainda assim programada eletronicamente) em todo o disco. Uma das idéias do arranjo para esta canção “rock pesado” foi fazer com que o trompete brincasse com o significado da palavra “metal”, no título referente a um “estilo” musical geralmente associado, apenas, a guitarras distorcidas.
10. Rebolero — Mais um “instrumental” composto como se fosse um bolero tradicional reestruturado por uma harmonia tonal flutuante, com a primeira parte em Mi menor, que acaba preparando para uma segunda parte em Fá maior, concluindo com um Lá sustenido maior. Nesta gravação o trompete do Faria realiza uma espécie de contracanto muito mais veloz que a melodia, primeiro tonal e depois lentamente divergindo para a atonalidade, à maneira de alguns solos do estilo “free jazz”.
11. Blues — Esta canção tem, junto com Heavy Metal, Bossa Nova e O cantor de Jazz, um nome genérico. Ela foi composta no início dos anos 80 e, embora tenha semelhanças métricas e harmônicas com um blues tradicional, o seu título, evidentemente, faz uma ponte lingüística imaginária com os “azuis” da letra. Foi gravada primeiramente por Caetano, no disco “Outras palavras”, tendo minha participação como violonista. Aqui ela aparece numa versão mais “africana”, e tanto me agradou fazê-la assim, que pensei na hipótese de chamar o disco todo de “Blues”, já que este gênero musical e o estado de espírito a ele correspondente estão presentes em vários momentos. A lembrança de um comentário de minha mãe sobre o caráter “bluesy” das minhas primeiras composições e a opinião favorável de minha filha, Nina, ajudaram para que eu me decidisse definitivamente por isso.
12. Dançando — Esta foi, originalmente, uma outra “encomenda” de Adriana. Desta feita, ela me pediu uma canção sobre dança para o seu disco “Maritmo”. Adoro a gravação que ela fez desta música, secundada brilhantemente por Sasha Amback, Davi Moraes, Jorge Hélder, Marcelo Costa e Cláudio Calcanhotto, e não imaginava como eu poderia vir a gravá-la, até que, centrando na guitarra elétrica a base ritmico-harmônica e tocando-a, repetidamente em shows, isso pôde se tornar, para mim, aceitável. Depois, me pareceu uma boa idéia começar a fechar esta primeira parte do BLUES«55 com uma música cuja letra enumera tantas maneiras de se exprimir pela dança.
12. Dançando — Esta foi, originalmente, uma outra “encomenda” de Adriana. Desta feita, ela me pediu uma canção sobre dança para o seu disco “Maritmo”. Adoro a gravação que ela fez desta música, secundada brilhantemente por Sasha Amback, Davi Moraes, Jorge Hélder, Marcelo Costa e Cláudio Calcanhotto, e não imaginava como eu poderia vir a gravá-la, até que, centrando na guitarra elétrica a base ritmico-harmônica e tocando-a, repetidamente em shows, isso pôde se tornar, para mim, aceitável. Depois, me pareceu uma boa idéia começar a fechar esta primeira parte do BLUES«55 com uma música cuja letra enumera tantas maneiras de se exprimir pela dança.
13. Rock stars — Esta cançoneta surgiu, primeiro, da observação de muitos casais de jovens em muitas adoráveis noites de luar, nos fins de semana aqui, na Vila Madalena, em São Paulo. Depois, da lembrança de tantos outros casais que fazem parte da “cultura” do “rock’n’roll”, desde os anos sessenta. Ela foi composta quando este disco já estava em fase de mixagens e nele incluída durante a masterização.
BLUES foi gravado em três dias, ao vivo, no Estúdio Be-Bop, procurando se aproximar do “clima” dos discos anteriores ao advento do estéreo e dos múltiplos canais. Parti de um repertório com aproximadamente 30 canções até chegar a essas treze, fazendo pequenas correções durante as mixagens.
Péricles Cavalcanti
55 o disco
Quando o Péricles me pediu para escrever o release de um disco tão singular como este, só pude pensar em uma razão para que ele o fizesse. Pois mesmo não sendo brasileiro de nascimento (sou filho de brasileira), nem trabalhando na área de música (sou publicitário e moro aqui há mais de trinta anos), presenciei, em Berlim, o encontro que deu origem a esta parceria, tão rica, entre ele e o maestro greco-húngaro Sandòr Kavallis. Eu estava na Alemanha para uma retrospectiva da obra de meu tio-bisavô cineasta, G. W. Pabst, quando os encontrei num Café da Leibnizstrass. Péricles me apresentou Sandòr, ficamos por ali conversando e logo ficou evidente, para mim, a total afinidade e complementaridade que há entre os dois, nas questões fundamentais, no que diz respeito à música popular contemporânea. Isso se confirma aqui, neste 55. O maestro Kavallis adora e conhece música brasileira desde os seus tempos de estudante em Paris e depois Berlim, nos anos sessenta e setenta, e Péricles se interessa imensamente por música erudita experimental contemporânea, o que atesta, neste disco, os seus dois exercícios feitos a partir de um texto de Charles Ives sobre harmonias paralelas, Ivesswing e Ivesswing plus. Para exemplificar o que eu disse acima sobre Sandòr, basta ouvir as lindas e concisas linhas de cordas (aqui gravadas com sintetizador) que ele concebeu para Laurin Hill / Brigitte Bardot, exemplo extraordinário de compreensão da bossa nova de ontem, de hoje e de sempre. Porém, o caso mais elucidativo e estimulante desta parceria, que é também um atestado de geração, já que ambos têm aproximadamente a mesma idade, é o arranjo que fizeram para 55 e É pra sambar. Nestas faixas, acontece mais do que um namoro sem compromisso com a música eletrônica de pista. Em 55, realiza-se de fato uma incursão consistente no gênero, à qual se soma a inclusão de quatro linhas de vocais entoando quatro diferentes temas, dois com palavras (sendo um em inglês), incursão esta desenvolvida na última faixa, É pra dançar, em que um “loop” de ruído ambiental, que inclui um canto de passarinho ao longe, precede a entrada de um “beat” vigoroso, meio baião meio coco, de bateria eletrônica combinada com “scratchs” sintéticos. Notável também á a contribuição de Papa Fellow, o parceiro sul-africano do maestro Kavallis que, da Cidade do Cabo, mandou essa estranha mas instigante programação eletrônica para Vitamina de Samba, esta lancinante composição de Péricles em que quatro refrões de sambas, com estilos e divisões diferentes, são cantados, sucessivamente e simultaneamente, por quatro vozes (mais uma vez), formando uma espécie de coral caótico porém harmônico. Há também as ótimas participações de Olivia Moura e do Little Peck, na gravação deste autêntico “12 bars” blues, Never say never, composto por Péricles há vinte anos e até agora inédito. Será que ele o fez mesmo ou escutou num vento soprado no delta do Mississipi? Outros destaques neste disco sem paralelos são: o brilho do vocal de apoio realizado por Léo Cavalcanti, filho de Péricles, nesta bonita canção pop também composta em inglês, Cindy Lee, e as guitarras cheias de “molho” tocadas por Pedro Sá na faixa co-produzida por ele, esta canção sobre a eternidade de uma cidade, Nossa Bagdá. Quanto ao título completo deste disco, BLUES«55, vale observar que além de se referir à uma artéria central presente em várias faixas do disco, o blues, e ao nome de duas faixas, nos remete também ao número do prefixo telefônico internacional do Brasil, 55. Portanto, a mensagem está no ar, Alô, alô Brasil, câmbio…
Wolfgang de Oliveira Pabst