Péricles Cavalcanti
Release “SALTANDO COMPASSOS”
Comecei profissionalmente na música, como compositor, nos anos 70 e só gravei meu primeiro álbum CANÇÕES (Universal, 1991), muitos anos depois, quando já tinha um repertório considerável gravado por outros artistas. Assim, foi natural pensar no conceito da minha estreia em disco, como uma reunião de canções já conhecidas, com outras inéditas que eu estava compondo naquele momento. Tratava-se, claro, de encontrar alguma unidade (nos timbres e arranjos), no repertório de letras e gêneros, um pouco diferentes entre si.
De uma certa forma, essa passou a ser minha maneira de realizar meus álbuns: sempre a partir de músicas que eu já tinha, ou estava compondo naquele momento. Isso, até Frevox (DeleDela, 2013).
Sou o tipo de artista que gosta de pensar uma obra como um conjunto, e em todas as fases da realização, desde as composições, a escolha das faixas, de sua ordem e dos aspectos que contribuem para integrá-las num todo com significados que se inter-relacionam: o conceito de um álbum.
A partir do início dos anos 2.000, houve também uma mudança no meu modo de compor e gravar, diretamente influenciado pelo fato de eu utilizar um pequeno estúdio digital, onde realizei as principais gravações de todos os álbuns e singles lançados neste século. Abriu-se, também para mim, a possibilidade de compor, não só com o violão, meu instrumento natural, mas a partir de experiências de estúdio, o que eu costumo chamar de compor ao contrário, isto é, começando com programações eletrônicas e pela construção de bases instrumentais, para só no final do processo fazer a melodia e a letra, método muito usado nas gravações de hip-hop. Faixas assim compostas podem ser encontradas desde o álbum BLUES 55 (Deledela/Barravento, 2004).
Nas 14 faixas de SALTANDO COMPASSOS, além de composições feitas ao contrário, a partir da construção de bases eletrônicas como em A Grande Jornada e Vai dar certo, tem outras compostas ao violão e, mais do que em qualquer outro dos meus álbuns, neste há cinco parcerias. A música Maneira, com Arnaldo Antunes. Psicose, com Arrigo Barnabé. Eso que tu llamas amor, com o argentino, radicado no México, Yayo González, líder da banda pop Paté de Fuá. Seja o que for, com Hilton Raw. E, ainda, Saltando compassos, com Marcelo Monteiro.
E uma coisa que distingue a realização deste novo álbum, é que, nele, não há regravações de nenhuma de minhas canções; são todas inéditas e, com exceção de três delas, foram todas compostas nesses dois anos de pandemia, em que brinquei muito de saltar compassos, passando de gênero para gênero, e compondo especialmente para a participação de meus convidados: Adriana Calcanhotto (Nossa parceria), Yayo González (Eso que tu llamas amor), Ana Frango Elétrico (This little song), Leo Cavalcanti (Hino Pascalino), e Marietta (Afrocanto).
E, ainda, tenho a alegria de contar, para o lançamento de SALTANDO COMPASSOS, com um videoclipe de A grande Jornada, faixa que abre o álbum, realizado pelos mestres Jorge Furtado e Alex Sernambi.
Faixa a faixa de SALTANDO COMPASSOS
A Grande Jornada
Fiz essa composição que abre o álbum tendo como referência os sensacionais dubs de Lee Scratch Perry. Parti da gravação de uma base com programação eletrônica mais baixo, violão e guitarras, para depois desenvolver esse canto, cuja letra ecoa as origens da espécie humana na África e toda nossa saga migratória, que permanece até hoje. Toquei todos os instrumentos básicos, nela, inclusive as percussões leves, e coube a Pipo Pegoraro gravar um inspirado violão folk, em alguns momentos do arranjo.
Vai Dar Certo
Nessa faixa, me aproximo do gênero trap e sua levada já tradicional, com uma melodia e letra que, na verdade, também tem como referência as canções de Roberto e Erasmo Carlos, dos anos 60 e 70. Aqui, também, toquei os instrumentos centrais, e coube a Pipo Pegoraro tocar as percussões mais leves (aliás, essa é uma das faixas que Pipo, que também mixou o álbum, mais gosta!).
Maneira
Dei esse samba-choro para meu parceiro de muitas canções, Arnaldo Antunes, colocar letra, e ele o fez com uma adequação perfeita entre palavras e melodia, como só verdadeiros mestres sabem fazer! Nessa faixa, além de cantar, eu toco violão, e o craque Marcelo Monteiro, com seus saxofones, gravou as harmonias e solos inspirados.
Seja o Que For
Essa bossa-nova teve a música composta por meu amigo Hilton Raw, que me deu para colocar letra (coisa que faço raramente!). Hilton, que produziu essa faixa, escalou um belo quarteto de cordas, com arranjo de Fernando Forni, para acompanhar meu canto ao violão, e isso deu à gravação, um toque especial, sofisticado, de verdadeira música de câmara, que muito me agrada.
Nossa Parceria
A partir do início dos anos 90, Adriana Calcanhotto foi a artista que mais gravou minhas composições, algumas feitas especialmente para ela, outras, ainda, de que ela se afeiçoou e quis cantar. Embora já tivesse participado da trilha que compus para Mil e Uma, filme de Susana Moraes, que foi lançada em CD em 1996, Adriana ainda não havia participado de um álbum meu. Por causa disso, compus essa canção que fala de nossa história e a convidei para cantar comigo neste novo SALTANDO COMPASSOS. E conosco, nessa gravação, estão Marcelo Monteiro no sax tenor, e Pipo Pegoraro, no piano, contribuindo para colorir essa bossa de teor autobiográfico.
Eso Que Tu Llamas Amor
Sou fã da banda pop argentino-mexicana Paté de Fuá e me tornei, através da jornalista argentina, radicada no México, Mónica Maristain, amigo de um de seus fundadores, o cantor e compositor Yayo González, que me disse também ser fã dos meus discos. Foi assim que compus a música desse bolero-bossa e lhe pedi que colocasse uma letra em espanhol, o que ele aceitou imediatamente. Também o convidei para co-produzir a faixa e dividir os vocais comigo, o que ele, para minha alegria, aceitou. E mais, Yayo toca violão, guitarra e teclados na gravação, no que foi seguido, na parte da coprodução brasileira, por Marcelo Monteiro, sax e flauta, Pipo Pegoraro, Baixo, piano Fender Rodhes e percussão leve. E o bongô ainda foi executado, aqui, por Igor Caracas. Portanto, essa faixa tornou-se uma superprodução internacional.
Psicose
Arrigo Barnabé já tinha participado de gravações em álbuns meus, e eu já havia participado em seu disco Façanhas, mas nunca tínhamos gravado uma parceria nossa. E, quando aconteceu, foi do jeito mais inusitado, pois nessa canção eu fiz a música e dei a Arrigo para fazer a letra, o que ele fez imediatamente, escrevendo sobre um tema meio psicanalítico, meio noir e que me surpreendeu e agradou muito. Nessa gravação, além de meu violão, baixo e vocais, tem a participação brilhante do guitarrista de vanguarda Felipe Ávila.
É Hora Do Jantar
Há alguns anos comecei a planejar e fazer canções para um musical que, quando parecia que começava a ser desenvolvido, teve que ser interrompido pela pandemia de Covid. Nessa faixa, a única nesse álbum, em que estou solo, cantando e tocando guitarra, interpreto uma dessas composições, que trata de uma das terríveis consequências, ainda tão atuais entre nós, dos séculos de escravidão. Trata-se de um Moaning blues (canto de lamento) e foi inspirado, como ponto de partida, em Suppertime, canção escrita pelo grande Irving Berlin, no início dos anos 30, para o musical As thousands cheer.
Hino Pascalino
Essa é outra das canções que escrevi para esse projeto de um musical a que me referi, mas que, aqui, foi ligeiramente adaptada para fazer parte deste Saltando os Compassos. Ela foi, basicamente, composta como se fosse um gospel, tendo como principal referência a filosofia agnóstica do francês Blaise Pascal (séc. XVI), que era em parte compartilhada, também, por meu pai, que entendia Deus como uma Força. Mas foi a participação fundamental de meu filho Leo Cavalcanti, fazendo, com suas vozes, toda a base harmônica da gravação, que deu a atmosfera religiosa profunda que eu imaginei que essa canção poderia ter. E acho que meu pai, se vivo, concordaria comigo.
Depois da Terra
Essa foi a canção que compus, recentemente, que deu o impulso necessário para que eu começasse a pensar em um novo álbum de inéditas. Ela conversa, tanto com esse Hino Pascalino, quanto com a A Grande Jornada, no que diz respeito às origens e destino de nossa espécie. E na sua gravação em que, além dos vocais, toquei guitarras, baixo e teclado, contei com a participação fundamental de Cláudio Faria, no trompete piccolo, que deu dimensões cósmicas à essa minha canção filosófica e irônica.
11-This Little Song
Essa é uma das poucas canções que escrevi em inglês e, num certo sentido, ela ecoa algumas daquelas que Paul McCartney compôs com um ar antiguinho de música dos anos 30, como Honey Pie ou Martha my dear. E para essa gravação, logo pensei em convidar umas das melhores revelações recentes de cantora-compositora, a carioca Ana Frango Elétrico, para, justamente, estabelecer um contraste entre gerações, a minha e a dela, e entre estilos musicais, o antigo e moderno. E ela, além de corresponder à minha expectativa, ainda propôs outras dualidades, como, por exemplo, entre o meu canto liso (naturalista) e a sua voz rascante (distorcida). No mais, ela ainda fez o solo de guitarra sobre minha base de teclado, baixo e contra-canto vocal.
12- Choro Alegre
Foi a leitura, recente, de uma biografia do grande Jacob do Bandolim, que me fez, de novo, ouvir suas belas composições e me motivou a compor nesse riquíssimo gênero de música instrumental brasileira (no qual já tinha experimentado, poucas vezes, antes) o choro. E no caso, um do tipo clássico, que tem em Jacob um dos maiores representantes. Mas o que tornou essa minha incursão mais verossímil foi a participação, nessa gravação, de Marcelo Monteiro, com seus sax e flauta, extraordinários no entendimento e nas manhas dessa grande tradição musical!
13- Afrocanto
Para esse pequeno canto de exortação à luta pela liberdade, individual e coletiva, me baseei naqueles estilos de tocar riffs de guitarra, da maravilhosa música pop contemporânea de muitas nações africanas. E convidei para dialogar comigo nessa faixa curta, Marietta, cantora-compositora paulista, a quem conheço há muitos anos e com quem tenho muitas afinidades, a ponto de ela ter cooperado comigo em outras gravações, anteriores. E além de minhas guitarras e baixo, Pipo Pegoraro, deu um toque sutil a essa gravação com suas percussões e escaleta, enriquecendo e mais que completando a atmosfera que imaginei dar a ela.
14-Saltando Compassos
A faixa que, ao mesmo tempo, dá nome e fecha o álbum, foi composta de uma maneira que eu nunca tinha experimentado antes. Meu parceiro de tantas gravações e shows, Marcelo Monteiro, me pediu para fazer uma base harmônico-rítmica para que ele colocasse uma melodia e, assim, fizéssemos uma parceria instrumental. Bem, eu fiz, mandei pra ele que fez a sua parte e me mandou de volta (tudo isso, na pandemia, pela internet). Acontece que quando eu ouvi a ótima e animada melodia que ele havia composto, eis que isso me sugeriu, imediatamente, umas palavras que cabiam ali perfeitamente. E assim nasceu Saltando Compassos que, na gravação, além dos saxes de Marcelo e minhas vozes, ganhou o baixo, a guitarra e a percussão empolgante de Pipo Pegoraro, e mais o piano Fender Rodhes de Marcelo Castilha, que tem a peculiaridade de ter sido gravado em Portugal.
Release escrito por Deladela Produções