• Inicio
  • Agenda
  • Àlbuns
  • Galeria
  • Biografia
  • Imprensa
  • Videos
  • Contato

Péricles Cavalcanti

Sobre as Ondas de Péricles Cavalcanti

Release escrito por Carlos Rennó

Péricles Cavalcanti compõe há mais de vinte anos, e assim como começou a fazer música “tarde”, na faixa dos 26, também tardou a começar a fazer disco. Seu primeiro álbum, o simples e significativamente intitulado Canções , uma bela surpresa, saiu em 91, e agora ele nos lança Sobre as Ondas, outra bela obra, com mais um título sintomático. Tudo isso explica em parte por que o que acontece com ele praticamente não acontece com mais ninguém hoje na música brasileira, isto é, o fato de sua música exibir um frescor e uma maturidade raramente encontráveis num mesmo trabalho. Com uma carreira discográfica iniciada há pouco, Péricles apresenta algo ao mesmo tempo novo e maduro.
Acontece que ele vem há muito aprofundando sua visão da arte da canção popular e intimizando sua relação com a chamada música popular brasileira. Nesta, ele se insere hoje por meio de uma intervenção tão crítica quanto afetiva, feita de reflexão e de envolvimento. Do diálogo com a sua tradição e a sua modernidade, resulta uma proposta pessoal fina, purificadora. É o que ele mostra em seus discos. E como Péricles demonstra saber fazer disco; quer dizer, fazer de um disco uma obra, uma obra de arte. Sobre as Ondas patenteia essa sabedoria e essa sensibilidade.
A simplicidade da instrumentação, a concisão dos arranjos, a economia dos recursos e dos meios podem enganar quem ainda se encanta mais com enormes massas sonoras e grandes produções do que com o essencial. Só que Péricles é um essencialista e este é um disco de essências e medulas, como diria o poeta. Já na abertura isso se evidencia. Com letra de fatura oswaldiana instantânea (apenas oito versos), uma canção inicia-se com as seguintes linhas? “Por todos os canais / Por todas as vias / Por todos os canaviais”; poderia haver maior condensação textual para um frevo sobre frevo pernambucano?
Daí pra frente as surpresas se sucedem, numa rede de relações sutis estabelecidas pela seqüência e pelo conjunto das músicas. Nos momentos mais certos, Bach e Berio são inesperadamente evocados. Tom (“Dindi”) e Caetano (“Tropicália”) apropriadamente citados, e Chico Alves e João Gilberto mais adequadamente ainda sampleados. Com rigor e liberdade, delicadeza e precisão, Péricles passeia por múltiplas paisagens sonoras, instaura as mais diversas atmosferas, e no entanto tudo soa natural e nem um pouco gratuito.
Há sobretudo canções-canções: a enumerativa “Intimidade”, a impactante “A Noite em Que Vicente Celestino Morreu”, a misteriosa “Deuses e Homens” (com as inversões imagéticas “aura de carne”, “sexo ideal”, “orgasmo astral”). Há canções-quase-não-canções: “Cara de Mãe”, “Aula de Matemática nº 2”. E há até uma canção-não-canção: “Imagem”, com letra de Arnaldo Antunes, vocalizada pleas mulheres e os filhos dos autores, mais uma incursão experimental de Péricles que, acostumado a musicalizar textos de poetas concretos, desta vez comparece também com uma melodia para um poema de Décio Pignatari.
Em sua diversidade de gêneros, o álbum é uma prova cabal de como estavam errados alguns críticos entre os quais andou em moda, há algum tempo, a condenação apriorística de qualquer ecletismo. Frevo (“Por Todas as Veias”), reggae (“Minha vanguarda”), samba (“Deuses e Homens”), choro instrumental (“Vídeo-chorinho”), rock (“Número Um Nº 2), baião (“Poesseu, Poessua”), balada pop (“Com Amor, Com Você”): Sobre as Ondas tem tudo isso e no entando tudo é um, como queria Heráclito (admiração e referência poético-filosófica de Péricles, que o citou em “Musical”, gravada por Caetano). Nenhum problema de unidade se observa simplesmente porque, por trás dos elementos constitutivos do material eclético, está UM homem que os reelabora, filtra e organiza.
Eis enfim um disco-pensamento, um disco de um criador-pensador. Sua concepção e sua realização são fruto de uma inteligência intuitiva, de cérebro e coração, de um “pensar-sentir”, para aludir ao termo encontrado por Guimarães Rosa para definir a “brasilidade”. Brasilidade que permeia a música de Péricles, só que com os pés um tanto fora do chão e as antenas voltadas para o mundo. Mais que captar, porém, o que ele faz é emitir ondas sonoras que exprimem um momento da história musical popular do Brasil, lembrando o passado e vislumbrando talvez um futuro, na expresão mesma do presente.
É o que a última música do disco, “Mapa-Múndi”, suma de tudo, me leva a pensar, impressão reforçada pela inclusão da gravação de trechos de “Aquarela do Brasil” e “Garota de Ipanema” ao seu final. Na letra, colocações de teor autobiográfico parecem a certa altura se confundir com refrências musicais, como se o músico-poeta assumisse a máscara da própria música-poesia popular brasileira. “O mundo é uma grande praça feita pra mim”, termina dizendo Péricles, como que encarnando a entidade da MPB e encarando seu lugar no planeta.
É interessante que Sobre as Ondas esteja saindo por um selo chamado Radical. Péricles Cavalcanti é um atualizador radical da tradição multifacetária da MPB.

Carlos Rennó


Copyright © Péricles Cavalcanti - DeleDela Produções Artísticas 2021 - Sumaya Távora Criação de Sites

São paulo - SP - Brasil