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Péricles Cavalcanti

Na trilha de Péricles Cavalcanti

entrevista realizada pelo cineasta Carlos Adriano, publicada na Revista eletrônica “Trópico”, em outubro de 2004

— A coda “É pra sambar” faz um “rhytm sampling” de batidas e arranhões eletrônicos com toques de baião e coco. O que você acha de uma tal morte anunciada do samba, ao passo que ouvimos a batucada de sua retomada? O samba tem se transformado?

Péricles: “É pra sambar” surgiu de uma programação de bateria eletrônica que o Sandòr me enviou, dizendo que para ele aquilo soava como um samba mais “duro”, mais próximo de pulsos usados na música de pista. Logo eu me lembrei que o “coco”, tal como aparece em algumas gravações do Jackson do Pandeiro, era às vezes chamado também de “samba duro”, o que me levou a pensar num refrão que pudesse se referir ao samba como um gênero abrangente que pode incluir muito da música eletrônica para dançar. Daí o uso de intervenções de “scratchs” sintetizados no arranjo que desenvolvi.

A letra-refrão funciona como um provérbio tal como: “Quem está na chuva é pra se molhar”. Por isso esta faixa-coda, que eu gosto de pensar como um “grand finale” para os dois discos (“Blues” e “55”), é dedicada ao Max de Castro, que é um dos principais representantes desta tendência atual de fundir o samba com elementos de música eletrônica e hip hop. Ela poderia ser dedicada também ao Marcelo D2 que fez um maravilhoso disco nesta direção e que, não por acaso, se chama “À procura da batida perfeita”.

— Você cultiva parcerias com poetas, como Haroldo de Campos (“Ode primitiva”, “Baladeta à moda toscana”), Arnaldo Antunes (“Imagem”, “Entre”, “Quase tudo”), Décio Pignatari (“Poesseu, poessua“). Muda o diapasão da música quando você encontra uma “letra” num poema em relação a uma letra composta como tal?

Péricles: Eu, raramente, tenho vontade de musicar uma letra; nem minha, porque, em geral, não faço, nem escrita por outra pessoa. Uma canção surge, na maioria das vezes, para mim, com letra a música se desenvolvendo juntas ou, em menos casos, a partir de uma melodia ou, noutras vezes, de uma progressão harmônica e até de uma idéia abstrata. Me identifico mais com os compositores que sabem fazer tudo, letra e música, bem. O Noel Rosa que eu gosto mais é o compositor dos maravilhosos sambas “Com que roupa”, “Palpite infeliz”, “Três apitos”, “Coisas nossas” (entre muitos outros), que ele fez sozinho. Acho que as minhas melhores composições são aquelas que em que faço letra e música. Portanto, é preciso que o texto traga já uma sugestão de musicalidade própria original e, nesse sentido, não há nenhuma diferença entre um poema que vire canção e uma letra escrita com este fim. Se bem que, ao mesmo tempo, eu acho que qualquer texto possa ser musicado, dependendo da dimensão do “olho” musical de quem vá fazê-lo. A principal referência da palavra escrita é a palavra falada e, se pode ser falada, então... Qualquer dúvida, é só perguntar pro Jorge Benjor.

— Você já recorreu a textos da “alta cultura” para fazê-los letras de canções, como as traduções de Augusto de Campos para “Elegia” (poema de John Donne) e “Nuvoleta” (fragmento do “Finnegans wake”, de James Joyce). O que está em jogo nessa operação, enquanto escolha e processo de composição?

Péricles: O que me chamou a atenção nestes textos da chamada “alta cultura” que musiquei foi a vocação que senti neles de se tornarem boas “letras” para canções dentro da tradição popular, ou “baixa cultura”, e ter, assim, a possibilidade de eliminar, pelo menos através delas, a fronteira entre estas duas “culturas”. Isso se deve muito às traduções do Augusto, que sempre gostou de música popular urbana, brasileira ou internacional, de Lupicínio Rodrigues a Cole Porter.

— Como você vê a relação da música brasileira com a crítica de música no Brasil?

Péricles: Essa é uma questão muito complexa para ser respondida assim, em pouco tempo e de forma conclusiva. Acho que aqui, no Brasil, a gente tem de tudo: boas intenções, oportunismo, pessoas que se dedicam honesta e dedicadamente, pura competição, muito analfabetismo e até alguma “critica” no sentido mais amplo da palavra, que pode significar esclarecimento e contribuição para aumentar a rede de significados do disco ou do trabalho abordado.

É claro que estou me referindo à crítica publicada em jornais e revistas. Na área da crítica musical em livros, acho que “Bim Bom”, de Walter Garcia, foi o trabalho mais interessante que apareceu nos últimos anos.

De qualquer modo eu sempre me interesso por ler o que se escreve sobre música, mesmo que seja para rir de alguns “critérios” esdrúxulos que aqui e ali aparecem. É bom saber o que os outros “pensam”, pois, afinal, o “terreno” onde se move a música popular de massa, seja de maioria ou não, é movediço, de formação heterogênea e múltipla (envolvendo talento, opinião pública, meios de comunicação, oportunidades, temperamento e personalidade de artistas e críticos, dinheiro, lugar que a língua e o país ocupam no mundo etc.), sendo assim muito propício a todo tipo de “manifestação”.

— O que você acha da chamada MPB atual?

Péricles: Não gosto dessa sigla MPB. Se ela quer abranger toda a produção de música popular no Brasil, então não diz nada, devido à quantidade e diversidade do que se produz aqui. Por outro lado, se MPB designa um estilo, um gênero, um movimento específico ou uma corrente, qual é?

Ainda por outro aspecto, eu vejo que os artistas e trabalhos que procuram se abrigar ou são abrigados sob essa sigla são os mais desinteressantes, fazendo um tipo de música “morna”, sem imaginação musical e poética, sem compromisso profundo nem com a tradição nem com a contemporaneidade, nem apontando para um futuro. Enfim, sem tesão. O disco de João Gilberto, “In Tokyo”, gravado quando ele já tinha 72 anos, é o oposto disso.

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